Já era fim de relacionamento, mas não
precisava terminar dessa forma. Uma conversa finalizaria tudo da melhor
maneira. Mas ele não quis assim. Ela já havia sido agredida antes, e tentava apaziguar
para que o agressor não a ferisse mais. A primeira vez foi com palavras,
ameaças e ciúmes. As vezes a mulher acha que o fato dele sentir ciúmes e uma
prova de amor. A agressão começou em uma viagem. Longe da família e amigos ele
se sentiu seguro para fazer o que queria. Ela, imigrante, em um país ainda mais
desconhecido não teve coragem de falar a verdade quando o vizinho do quarto ao
lado no mesmo hotel interrompeu a briga. Sentiu medo que o pior a acontecesse.
Voltando pra casa o combinado era fazer as malas dele, terminar o
relacionamento de apenas quatro meses e seguir adiante. Mas ele não aceitava.
Pregava que o amor que ele sentia por ela era o que motivava ser tão inseguro,
a culpa era dela por ele ser assim. Ela conversava demais com o melhor amigo,
se arrumava demais para sair, dançava demais na balada, ria demais, era muito
bonita, ela não podia ser ela. Antes de sair pra trabalhar, brigaram. A sorte
dela é que a casa era dividida com mais alguns amigos que o impediram de matá-la.
Com as mãos no pescoço dela ele dizia que ela não veria mais a família no Brasil.
Ela, com um pouco de força que restava, conseguiu gritar. Os moradores da casa
o interromperam. Ele, assustado, pulou de cima dela, disse que ela estava
louca, que ela era culpada pelas brigas, que ele não tinha feito nada. Deixou a
casa. A polícia chegou. Se explicar uma
agressão já e difícil em português, imagina em inglês. Os policiais se
sensibilizaram, mas segundo as leis irlandesas disseram que nada poderiam fazer
porque o rapaz era europeu e ela brasileira, o relacionamento não tinha tempo o
suficiente para ser consolidado como relacionamento e não foi pego em flagrante.
Nada foi feito. Ele voltou após o trabalho como se nada tivesse acontecido. A
mala estava na porta. Ele se foi, mas deixou ameaças. Não ameaças escritas ou
faladas. A ameaça estava intrínseca na tentativa frustrada de assassinato horas
antes. A ameaça estava nas marcas no pescoço dela. A ameaça estava na falta de
liberdade de ir ao mercado sem pensar que ele poderia estar na esquina. A
ameaça estava na falta de oportunidade de conhecer alguém com medo que pudesse
acontecer a mesma coisa. Antes disso, a ameaça estava no psicológico das marcas
internas que nunca serão apagadas. A ameaça está nos gritos das ruas, nas
portas batendo, nos sustos de brincadeira. A ameaça nunca será apagada. Ela é amenizada,
mas uma mulher agredida nunca se esquece.
Hoje ela segue a vida da melhor forma
possível. É doce, é frágil mas é forte, e insegura mas não cansa de tentar, é
amável, é amiga, é sincera. Voltou a comer, seus cabelos cresceram, é sorridente,
continua se arrumando para as baladas, continua confiando nos amigos, e dança,
porque essa sim foi, é, e sempre será sua terapia.